Simpatia
“Não tem nenhum segredo aqui. A arca é a casa. O lugar estratégico para colocá-la é no pico daquela montanha na qual você prestou atenção desde o primeiro dia. Como fazer para subir uma casa tão grande como Los Argonautas para o topo de uma montanha? Esse é o tipo de pergunta que eu também me faço, quando me dá na telha. Então grito Mesopotâmia, Tigre, Eufrates, e se decepcionam comigo. Mas eu me decepcionei o dobro. Acredite em mim. Só o órfão pode entender a palavra do louco.”
“São como Cristo, Ulises pensou, enquanto se encaminhava na direção de Nadine. Tiram a dor das pessoas, mas sem a necessidade de crucificações ou sofrimento. Para eles, basta abanar o rabo e se agitar como loucos para concentrar as ondas eletromagnéticas da alegria. Os cachorros são como Cristo, mas loucos, Ulises pensou. São uns Cristos loucos de alegria.”
“Naquele momento, sua pele se arrepiou, e Ulises compreendeu que a noite era uma catedral infinita. O Hotel Humboldt era, no máximo, um fragmento solto de um genuflexório longínquo, que nunca chegaria a ver. O resíduo de uma vareta de incenso, caído de uma dimensão superior para a qual esta, onde ele e todos os demais viviam, não era mais do que um cinzeiro. E no meio daquela amplitude, no exato instante em que se descobriu apenas um escombro no extraordinário ciclo da criação, sentiu sobre si o olhar de uma pupila cuja bondade divina, de repente, o observava. Ele. Esse verme. Esse parasita esquecido no esterco.”
“A situação foi se agravando à medida que a crise e a fome se intensificavam. Todos os que tinham condições iam embora do país. Os mais sortudos iam de avião, muitos deles sem olhar para trás. Quando já tinham comprado as passagens, e o gestor providenciado os documentos oficiais, quando já tinham vendido a casa da família por um quarto do valor, quando já tinham deixado o trabalho e feito um último checkup com os médicos, quando já tinham tirado os filhos do colégio, na metade do ano escolar mesmo, porque não havia tempo a perder, quando tudo já estava pronto, pegavam o carro pela última vez e dirigiam até um parque distante. Ali freavam, abriam a porta traseira e, lá de dentro, deixavam sair os cachorros; e quando os cachorros desciam, loucos de alegria, batiam a porta com força, aceleravam e fugiam.”